
Mesmo cercado de uma beleza natural cativante, é no cotidiano das pessoas que ali moram onde se encontra a essência do litoral sul da Bahia. Em Trancoso e Arraial d’Ajuda, a história tem o cheiro da maresia e o balanço das jangadas.

“Na maré cheia, aproveite a pescaria, na maré baixa me mostre quem você é.”
Cantiga da roda de capoeira – Vida de Maré
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Trancoso, em meio ao Quadrado colorido e calmo, nasceu no século XVI como missão jesuítica, mas foi com os pés molhados no Atlântico que a vida começou de fato a pulsar.
Ali os primeiros habitantes do vilarejo encontraram sustento e abrigo. O mar era tudo: alimento, guia, caminho. A vida seguia o ritmo da lua, o ciclo das marés e o saber passado de geração em geração.
Um retrato da vida
Na Praia dos Nativos, uma pequena casinha de pescador tornou-se ponto turístico. Ela resiste ali como símbolo da simplicidade e da beleza que nascem da vida costeira – lembrando a todos que os costumes, os saberes e o respeito pelo oceano seguem vivos, costurados na rotina dos que ali nasceram e escolheram ficar.
Em Arraial d’Ajuda, o enredo é traçado com os mesmos fios de fé, pesca e comunidade. Os pescadores conhecem o humor do mar como quem decifra antigas escrituras. Sabem o tempo certo da tainha, o sopro do vento, a direção dos cardumes. A cada ida ao mar, carregam consigo uma sabedoria ancestral que não se aprende nos livros – apenas vivendo.
Mesmo com o passar dos anos, ainda é possível assistir a cenas que resistem ao tempo por ali: pescadores lançando tarrafas ao amanhecer, redes estendidas no chão para secar ao sol, barcos de madeira retornando com o fruto do mar.

Mesmo com o passar dos anos, ainda é possível assistir a cenas que resistem ao tempo por ali: pescadores lançando tarrafas ao amanhecer, redes estendidas no chão para secar ao sol, barcos de madeira retornando com o fruto do mar.
A relação íntima e respeitosa com o oceano ainda vibra forte nos vilarejos



A pesca artesanal como legado de cultura
Mais do que prática econômica, a pesca é símbolo de pertencimento, resistência e herança cultural. Ela molda os rituais, os sabores e as festividades locais.
Um exemplo marcante é a Festa de Iemanjá, a Rainha do Mar, padroeira dos pescadores. Com barcos enfeitados, cânticos, oferendas e orações, a comunidade agradece ao mar – essa força tão generosa quanto indomável.
A culinária local é outro reflexo desse elo com o oceano. Camarões salteados, moquecas de peixe fresco, ensopados com leite de coco e dendê, casquinhas de siri e peixes fritos servidos com farofa e pimenta revelam mais do que sabores: contam histórias.
São pratos nascidos da ancestralidade, preparados com o cuidado de quem entende o valor do que o mar oferece.

Tradição que resiste
Apesar do crescimento dos vilarejos e a chegada de novos estilos de vida, a pesca permanece. Ela está nas mãos dos mais velhos, nos olhos atentos de quem aguarda os barcos, nos ensinamentos compartilhados nas conversas à beira-mar.
Em Trancoso e Arraial d’Ajuda, o mar não é apenas paisagem: é origem, sustento, fé e identidade. Visitar essas terras é mais do que viajar – é ouvir histórias que vêm com as ondas, perceber o tempo que dança com a maré e reconhecer um povo que vive do e para o mar.
Um modo de vida que segue, como a cantiga do berimbau, eternizado no balanço dos dias.
“Dia e noite, vida e morte, vem e vai
Ensinamentos do balanço da maré
Na maré cheia aproveite a pescaria
Na maré baixa me mostre quem você é”